A cada domingo o programa da tevê francesa Stade 2 e o jornal italiano Corriere della Sera revelam um pouco dos bastidores do pelotão World Tour e dos caminhos que podem conduzir ao escândalo da utilização do doping tecnológico na elite do ciclismo. No terceiro programa, apresentando em 19/06 as investigações jogaram luzes sobre o desempenho e a não verificação da bicicleta do vencedor da 9ª etapa do Giro d’Italia, o esloveno Primoz Roglic, um novato que fez sua carreira no esqui e que venceu a crono de Chianti Classico, disputada em duros 40.5 km entre Radda e Greve in Chianti. Para aumentar a desconfiança, na Strade Bianche, sua bicicleta era uma daquelas detectadas pelas câmeras têrmicas
O terceiro programa da investigação da France Télévisions sobre o doping tecnológico apresentou imagens da bicicleta de Primoz Roglic gravadas durante a Strade Bianche no último mês de março, revelando um brilho muito estranho no cubo traseiro, uma coisa como se ali houvesse uma fonte de calor, nada que possa provar ou comprovar alguma coisa; pode ser uma interferência, mas quem sabe um motorzinho escondido. Mas não é apenas a revelação do nome do ciclista que no sterrato pode ter usado o doping tecnológico que está sendo questionado. O desempenho na 9ª etapa do Giro desse ex-saltador de esqui e que ingressou em 2012, de forma tardia aos 23 anos, no ciclismo, após ter se coroado campeão mundial júnior de salto em esqui, também levanta suspeitas.
A história das duvidas sobre o desempenho de Roglic se acentua na crono de Chianti Classico e começa minutos antes da sua largada, quando a sua bicicleta é considerada fora de medida pelos comissários da UCI, ao que parece o clip estaria longo demais, fora dos padrões adotados pela UCI. O ciclista esloveno, um novato pelotão World Tour corre até os diretores de equipe, um pouco de agitação e logo um mecânico aparece com uma bicicleta reserva, aparentemente mais baixa, requer ajuste do selim e sem ao menos ter um porta-caramanholas, a 40 segundos da largada o ciclista estava pronto para a largada mas tecnicamente já não haveria mais tempo para controlar se havia algo fora das regras em sua bicicleta.
Um erro como esse, e já com a temporada em andamento há alguns meses não deveria acontecer em uma equipe World Tour, mas a coisa passou batida pelos comissários que controlavam a largada. Roglic não se intimidou e saiu como ele mesmo declarou, relaxado para pedalar. Em poucas pedaladas mais um golpe de azar: com 10 km perde o ciclo-computador que carrega as informações do SRM, seu potenciòmetro rola pelo asfalto e com ele se vão as informações de potência e watts do ciclista, ficaria mais difícil controlar o ritmo sem informações do que acontecia.
Roglic que era um escalador puro, destacou-se no ano passado ao vencer o Tour da Eslovênia e neste ano, já vestindo a camisa da LottoNL-Jumbo ao terminar em 5º na Volta ao Algarve nunca havia disputado contra-relógios com mais de 20 km, e nesta especialidade sempre apresentando desempenhos medianos, nada que o coloca-se como favorito; Porém no último Giro, mostrou uma nova cara já no prologo ao terminar na segunda posição a 22 centésimos de segundo do experiente Tom Dumolin. Na crono mais dura do Giro 2016 suas pedaladas foram ainda mais surpreendentes, e rodando no seco (sim naquele dia tivemos chuva) como Cancellara, marcou o melhor tempo do dia. O ex-esquiador também deixou para trás gente como o ex-recordista da Hora, Matthias Brändle ou o ex-campeão mundial de CRI sub23, o russo Anton Vorobyev.
As suspeitas sobre Primoz Roglic levantadas pelo programa Stade2 da France Télévisions, em sua terceira matéria tratando de doping tecnológico, tomam por base as imagens da Strade Bianche aonde sua bicicleta é uma daquelas sete que quando filmadas com a câmera térmica acusavam uma fonte de calor, mas também foi levado em conta o seu histórico nas cronos, somado aos deficientes controles da UCI – que justamente naquela etapa do Giro não foram realizados: as bicicletas naquele dia não foram “scanneadas” com os tablets. Uma etapa como a de Chianti com subidas, muitas quebras de ritmo e trabalho do ciclista com watts /potência elevada é ideal para a trapaça, para o uso dos motores. Para piorar a situação e jogar mais lenha na fogueira, segundo o boletim oficial do Giro d’Italia naquela etapa os inspetores da UCI não realizaram a inspeção das bicicletas com tablets e seus programas de detecção. E mesmo ao final da etapa, com os comissários sabendo que Roglic havia trocado de bicicleta antes da largada e a mesma não havia passado por nenhum controle nada foi feito.
A falta de rigor naquela etapa, levou aos produtores do Stade 2 a perguntarem ao diretor técnico da UCI, Mark Barfield, responsável pelas equipes de técnicos que visitam as provas com seus tablets, quantos controles foram realizados durante o Giro? Ao todo, segundo a UCI foram 2.042 verificações em 11 etapas, porém alguém está fornecendo informações erradas à reportagem, pois a mesma UCI durante o Giro disse que esteve presente em 9 etapas. Após ter indicado o numero de verificações feitas nas duas primeiras etapas – 975 bicicletas, quase a metade do total que havia em toda a caravana – se negou a divulgar quais e quantas bicicletas foram controladas nas outras 19 etapas que ainda seriam disputadas.
A bicicleta de crono de Roglic, aquela que substituiu a que estava fora de medida não foi verificada com os tablets e nem passou por uma verificação dos comissários, seu ciclo-computador se perdeu pela estrada e seu desempenho foi surpreendente, sem o aparelhinho não há informações de desempenho. Ao ser questionado sobre os problemas da sua bicicleta na largada, um tanto embaraçado Roglic respondeu que teve problemas técnicos e sobre a perda do SRM explicou que não o encaixou de forma adequada no suporte do guidão e logo nos primeiros quilômetros de prova perdeu o aparelhinho que podia mostrar seus números no dia.
Com tantas duvidas no ar, a produção do programa contatou o Team Lotto-NL Jumbo que preferiu não responder as questões dos jornalistas franceses. O silêncio mais uma vez alimentando as dúvidas do esporte. E a UCI com o seu pseudo rigor coloca em xeque a credibilidade dos seus controles e do esporte. Ao que parece a história de um passado recente se repete, os atores são outros, mas o enredo é muito parecido.