Após alguns anos de abandono e incertezas por parte das autoridades, um dos templos do ciclismo mundial, o velódromo Maspes Vigorelli, da cidade de Milão, teve sua primeira parte do projeto de revitalização concluída: o histórico piso de madeira foi refeito em partes e para testá-lo, trinta anos depois de estabelecer naquela pista o recorde da Hora, as autoridades convidaram o il sceriffo Francesco Moser para rodar nos 400 metros da pista de madeira do Val de Fiemme
Uma triste coincidência marcou o fim – temporário – do histórico velódromo Vigorelli: 11 de setembro de 2001 seria disputada na pista milanesa uma prova do campeonato italiano de ciclismo de pista, o atentando às Torres Gêmeas de Nova York provocou o cancelamento do evento, e desde aquele dia uma das mais tradicionais pistas de madeira do mundo ficou entregue à ação do tempo, ao abandono, as bicicletas não deslizavam mais por suas madeiras. Sua área central foi transformada em casa do Seamen e Rhinos, equipes locais de futebol americano e ao menos em umas cinco idas e vindas governantes prometeram sua reabertura, foi só com um decreto de 2013 que todo o complexo e seu projeto de restauração foi levado adiante quando anexado a um projeto maior de requalificação ou reurbanização de toda a área aonde está localizado o velódromo. É bem verdade que optou-se pelo plano “B”, muito mais modesto em todos os sentidos, porém previa a manutenção da antiga pista de 400 metros (na verade 397,7 metros, com larura de 7,50 mestros e uma inclinação máxima nas curvas de 42 graus), ao invés da montagem de uma nova pista de 250 metros que atenderia aos padrões da UCI para os campeonatos mundiais e olímpiadas e que no primeiro projeto era desmontável com um custo total na casa dos 16 milhões de Euros (R$ 64 milhões) o plano aprovado para ser executado em três anos tem um custo de 7 milhões de euros (R$ 28 milhões), além de se manter a história os contribuintes locais também podem agradecer pela economia aos cofres públicos
No movimento pelo ressurgimento do velódromo destacam-se as ações do “Comitato Vigorelli” formado por cidadãos e ciclistas (muita gente que entrou no esporte graças às bicicletas de pinhão fixo e todo o movimento do ciclismo urbano e de bike couriers) que entendiam que aquilo tudo deveria ser preservado e seu uso aberto à população. Para dar força à manutenção das medidas da antiga-nova pista ainda havia o argumento de que todas as outras competições oficiais podem ser realizadas ali, é apenas uma questão de homologação da pista, assim porque não sonhar novamente com os 6 dias e outras provas de relevância internacional.
A primeira fase das obras foi iniciada em fevereiro de 2016 e deve se concluir até o final do mês de julho, e tem por objetivo fazer a manutenção da cobertura parcial da pista e arquibancadas e o restauro da pista de madeira. A metragem da pista original foi mantida e seus 400 metros de madeira foram trabalhados pela Serraria da Magnifica Comunidade de Fiemme (não se espantem com o nome, é esse mesmo) que trabalhou todo o madeiramento e também criou uma área sustentável no Val di Fiemme aonde foram plantados 300 abetos vermelhos – um tipo de pinho utilizado para a produção das tábuas do piso da pista – dando origem ao “Bosque Vigorelli” de onde será extraída a madeira para a manutenção da pista.
A segunda fase do projeto deverá ser iniciada no final do outono, e será bem breve, mas pouco tem a ver com as bicicletas: o campo de futebol americano com quem o ciclismo dividirá fraternalmente o espaço passará por reformas, recebendo uma grama sintética de melhor qualidade e suas dimensões serão adequadas para permitir uma coexistência com a outra modalidade.
O projeto todo só será concluído em maio de 2018, com a finalização da terceira parte das obras que apontam para a reestruturação interna buscando a racionalização dos espaços e ainda fazer ressurgir a histórica academia de boxe Ravasio de onde surgiram outros tantos campeões. O Vigorelli sempre foi um polo cultural e desportivo, não se limitando às duas rodas mas recebendo no passado shows , ao final do plano de reestruturação espera-se uma arena para 7 mil pessoas.
Nos primeiros dias de junho o Vigorelli começou a receber as primeiras visitas não oficiais, ainda faltava algum ou outro acabamento na pista, as madeiras não haviam recebido o envernizamento que deixa a pista com a cor característica de um violino Stradivarius, sim o Vigorelli usa a mesma madeira dos famosos violinos e nela que alguns ex-campeões como Guido Bontempi, o Marino Vigna, Sante Gaiardoni e Mary Cressari recordista da hora e que em 1974 estabeleceu no Vigorelli o primeiro recorde feminino para os 100 km a uma média de 37.741 km/h e um grupo de jovens apaixonados oriundos dos movimentos urbanos que usam a bike fixa, trabalham como bike couriers e se envolveram com a proposta de salvar a pista da mítico velódromo tiveram o privilégio rodar na pista recuperada. Há quem reclame da diferença entre o madeiramento antigo, já estabilizado, e o novo “ainda vivo”, com sua característica movimentação, porém é apenas um detalhe diante do significado do ressurgimento dessa emblemática pista.
Oficialmente e para a grande maioria dos meios de comunicação fica o registro do convite oficial de 27 de junho, quando o xerife Moser entrou na pista com a mesma bicicleta de 1986, após uns giros declarou: “Hoje é um grande dia, para mim é uma emoção retornar a esta pista com esta bicicleta. A primeira vez que pedalei sobre estas madeiras era amador da Scuola Coppi, em 1970, no selim da mia Frejus eu tinha um quê de medo, ao cair o risco de sair com asa pernas cheias de farpas de madeira era grande…” . Na reapresentação da pista, entre os tantos nomes do ciclismo italiano também marcaram presença Gianni Motta, Giuseppe Saroni e o maestro Ernesto Colnago – que todos os anos doa 50 bicicletas de pista para os centros aonde se desenvolve o ciclismo de pista italiano.
A pista inaugurada em 28 de outubro de 1935 renasceu das mãos de um movimento urbano que tomou paixão pela história e pelo esporte. Foi no Vigorelli que três dias após a sua inauguração, Giuseppe Olmo estabeleceu o recorde da Hora, e que anos mais terde receberia Coppi, Anquetil, Roger Riviere e Francesco Moser para lutar contra o tempo, ao todo foram 10 os recordes da Hora estabelecidos no Vigorelli. A casa dos 6 dias de Milão também O Vigorelli também recebeu 23 chegadas de etapa do Giro d’Italia, tantas outras do Giro di Lombardia e do Trofeo Baracchi, sediou 4 edições dos Campeonatos Mundiais de Pista, sendo que 1955 o italiano Antonio Maspes conquistou seu primeiro de seus sete títulos, assim por uma justa homenagem, após a sua morte em 2000 o velódromo passou a ser denominado Maspes-Vigorelli. Também debaixo de uma das arquibancadas do Vigorelli estava localizada a lendária Officina de Faliero Masi, tradicional construtor de quadros de corrida que levavam a marca Masi.
Para os italianos e para todo apaixonado pelo ciclismo de pista, a torcida é para que este templo tenha um bom uso e nele surjam novos campeões para continuar a escrever a história do esporte. Lá como cá os políticos sempre exageram nas promessas, ao menos os cidadãos milaneses conseguiram salvar a história do esporte – vale pensar no velódromo da USP, no esqueleto daquilo que foi o velódromo Pan Americano largado em São José dos Pinhais e de qual será o futuro do velódromo Olímpico do Rio de Janeiro , aliás alguém sabe o nome com o qual foi ou será batizado aquele equipamento discretamente inaugurado e ainda em obras?
No vídeo os primeiros testes na pista recuperada do Vigorelli com dois ciclistas perseguindo o stayer