Para os apaixonados por quadros de cromo-molibdênio e para muitos dos construtores de quadros, no Brasil e no Mundo, o italiano Dario Pegoretti era uma referência. Seus quadros foram muito além de uma simples bicicleta, sendo elevados ao conceito de arte que poucos , como ele, souberam fazer em um espaço tão reduzido. Na última quinta-feira, aos 62 anos de idade seu coração parou de trabalhar
De suas mãos saíram algumas bicicletas que apesar de não carregarem a sua marca, foram produzidos por Pegoretti e contribuíram para grandes conquistas de Indurain, Stephen Roche, Pantani ou Cipollini. Terceirizando a qualidade de seus serviços forneceu quadros para marcas como Pinarello, Bianchi ou De Rosa, soldando e desenvolvendo produtos em aço e alumínio. Porém foi com a solda Tig e o cromoly que ele se tornou uma referência e foi com sua maneira de colocar arte nos quadros com pinturas inspiradas em Jean-Michel Basquiat ou com referências a Frank Zappa e Theloniuous Monk que ele transformou suas criações.
Sua arte sobre quadros de bicicleta era tão radical que alguns anos atrás foi convidado para uma ação junto com estudantes da Academia de Arte e Desing de Stuttgart para criar quadros que foram leiloados para arrecadar fundos para a Fundação Olgäle para ciranças que sofrem de câncer .
Pegoretti tinha uma mente vulcânica, cheio de ideias, uma pessoa que se reinventava .
Dario Pegoretti era o cara que ficava de lado para observar. Era chamado de protagonista, mas ele não gostava desse papel. Seu relacionamento com a indústria do setor oscilou entre o amor e o ódio. Algum tempo atrás ao ser questionado de como andavam seus negócios na Itália ele soltou algo como “Meu estilo por aqui não funciona tão bem, além disso os italianos estão obcecados com bicicletas de plástico”. Em 2012 tomou a decisão de parar de vender seus quadros na Itália e direcionou sua produção para a América do Norte.
E era assim também nas redes sociais, em longos e muitas vezes bem humorados debates sobre construção de quadros; é verdade que nos últimos tempos ele andava um tanto feroz, preferindo ficar por conta própria e observar a distância.
Desperta a curiosidade dar uma olhadinha nas anotações de Dario Pegoretti. O portfolio de grafismos é um dos mais coloridos no arquivo de quem segue as bicicletas. Era um estudioso de novas técnicas ou de trazer para a atuliade técnicas utilizadas muitos séculos antes da invenção da bicicleta.
Pegoretti é aquele que nasceu com o aço e que com o próprio aço construiu a historia da bicicleta, relançando um material como o aço e combinando com um estilo que o tornou mais moderno do que nunca. Quem ousaria definir como “velha” uma bicicleta de Dario Pegoretti?
As cores se tornaram uma atração em suas bicicletas. E ai daquele que se atrevesse a pedir uma cor específica para um quadro? Ele faria alguma coisa própria à sua maneira, mas deixando qualquer um satisfeito. Quando se ia visita-lo pensando “o que ele terá inventado agora”, referindo-se às cores. Mas era melhor não provoca-lo com essa cosia de cores , pois ele dizia “digo a verdade: me enche o saco. Preferiria que antes de tudo fosse valorizada a funcionalidade de um quadro”. Palavras de Pegoretti e havia que acreditar nele. Então, as cores eram puras e eram sua paixão. Mas antes de tudo o material e como ele sabia trabalha-lo.
A RELAÇÃO COM O AÇO
“O aço fala, é sincero” – repetia – “se sente, tem um cheiro inconfundível e é um material vivo. No inverno tem um cheiro diferente que no verão. Com o calor você o toca com as mãos suadas e ele enferruja. É um material sincero e deve respeitá-lo”
Como ser contra uma pessoa com essa sensibilidade e com essa paixão
Pegoretti começou a trabalhar com aço quando não havia outro material para fazer quadros. Nos anos de 1970, com seus 18 anos foi para Verona, oficialmente para dar continuidade aos seus estudos, mas é quando encontra Luigino Milani, construtor de quadros e que terceirizava seus serviços que sua vida muda de rumo.
Dario também pedalava, e não rodava devagar, mas logo descobriu que nas bicicletas era melhor colocar as mãos para fazer quadros do que os pés para empurrar os pedais.
Começa aos poucos, com algum dinheiro no bolso que lhe garante o conforto, mas aos poucos toma gosto e não falta trabalho porque era preciso fazer quadros para tantas marcas na oficina da Cicli Milani, em Verona, eram produzidos entre 5 mil e 10 mil quadros por ano
Tubos cachimbados e soldados: um trabalho longo que quando Pegoretti resolve dedicar maior atenção e ver que em outros quadros no lugar dos cachimbos, no ponto de encontro dos tubos, há um cordão particular, isso desperta a sua curiosidade e resolve testar. É a tal da solda Tig que Pegoretti confessou que levou um pouco de tempo para entender do que se tratava (não eram os tempos do Google que “bastava apertar um botão…” diria ele), pouco tempo depois ele conseguiu convencer seu sócio Milani a comprar uma maquina de solda Tig. A explicação foi convincente afinal na linha de produção a solda seria feita de forma mais rápida.
O ESTILO PEGORETTI
A marca Pegoretti , como é conhecida atualmente, nasce nos anos noventa. Em 1990 com a morte de Luigino Milani que também era seu sogro, Pegoretti entende que era o momento de seguir seu caminho sozinho.
Pegoretti começa a fornecer serviços e terceirização até 1996, porém logo ele percebe que os novos prestadores de serviço terceirizado para a produção de quadros passa para as mãos dos asiáticos, o que para ele se torna um “trabalho sem cultura” e sem satisfação.
Em 1997 Pegoretti retorna à Caldonazzo, na região do Trentino, e a partir daí começa a apontar ao mercado norte-americano – Estados Unidos e Canadá – aonde ainda os quadros soldados mão e com tubos de cromoly de procedência (como Columbus e Reynolds) ainda são muito apreciados.
Em 2008 recebe o premio de melhor construtor de quadros da NAHBS (North American Handmade Bicycle Show).
Dario faz suas contas e passa a construir quadros para “bicicletas eficientes”. Aos seus quadros ele dá um valor que não necessariamente refletem o preço final. “O que eu vou dar a um homem de certa idade um quadro para o desempenho de uma garotão de vinte anos: talvez eu também possa fazê-lo economizar alguma coisa e tenho um quadro perfeito para o meu cliente. Só que o mercado acostumou a todos de uma maneira diferente. E quando eu explico isso, a coisa acaba com um olhar de desconfiança”.
Isso sem falar daqueles que chegavam à oficina com as especificações já definidas para a construção do quadro. Quantas discussões com o bom Pegoretti: “eu faço o quadro e sei como deve ser feito. Se me passam uma das medidas que não está de acordo e depois se encontram com um problema o que se faz?”
Depois tem o lado estético, coisa que Pegoretti sempre o considerou secundario, mas no final “se a coisa é feita, é melhor que seja feita bonita”. Em sua curiosidade, algumas ideias surgiram de folheando revistas femininas. Então, preparar os quadros tornou-se, além de usar a tocha de solda, também uma pesquisa gráfica. E da mesma maneira que Dario resolveu estudar a solda Tig, não se acomodou usando stencil e plotagens para obter seu grafismo único e sofisticado – com influências do jazz e do rock e da arte contemporânea . Paciência se alguém comprou o seu quadro apenas por que “são bonitos”. E se for assim, tudo bem, era o estilo próprio estilo Pegoretti que fazia tudo com as suas mãos.
Em seus quadros Pegoretti procurava colocar tudo de si, inclusive coisas não tão belas, como o câncer que chegou em 2007 e que se transformou no grafismo “Catch the Spider” (Pegue a Aranha)
O CONSTRUTOR DE QUADROS MODERNO
Pegoretti se confrontava constantemente com o seu público. Um publico difícil de ser definido: não é feito apenas de donos de uma bicicleta com o seu nome. Há também aqueles que não podem comprar uma bicicleta e são apaixonados pelo aço. Há os jovens que tentaram construir seus quadros e que foram até ele para aprender, apaixonados pela mecânica e pelos grafismos com que Dario frequentemente tinha confrontos nas mídias sociais. E como um bom maestro que ocasionalmente não poupava um cutucão com sua batuta contra aqueles que pensavam ter entendido tudo, pegando um atalho. Então ele parava e também explicava. Era um passatempo tentar entende-lo em seu dialeto todo particular.
Ele parecia um maluco
Mas sabia conversar com o aço e dobrá-lo para fazer lindos quadros. Ele soube transportar o aço da história à modernidade. Muitos o chamavam de maestro, porque ele era como um farol para uma nova maneira de fazer quadros de forma artesanal e como também um homem que dava continuidade à tradição italiana do construtor de quadros, o telaista ou como anda tão em voga na modernidade frame-builder. Mas ele estava sempre pronto para se questionar e aprender coisas novas e surpreender a todos
Sentiremos falta de sua arte e de suas bicicletas
(Parte deste artigo é uma tradução autorizada da matéria – Dario Pegoretti: O construtor de quadros que Levou o Aço do Passado ao Futuro – do jornalista italiano Guido Rubino que além de escrever livros sobre bicicletas também publica suas matérias no Cyclinside)