As previsões da Abraciclo para as fabricantes de bicicletas instaladas no Polo Industrial de Manaus não são nada animadoras para o ano 2024, com estimativa de mais uma temporada com queda produção e muitos desafios pela frente. No mundo a indústria da bicicleta vem perdendo fôlego; excesso de estoque, economia em baixa e muito fabricante, distribuidor e lojista atravessando dificuldades econômicas, com vários pedidos de falência. O sinal positivo ainda é das e-bikes que lá fora, e em muitos países da Europa, graças à incentivos governamentais, mantém a roda girando e a esperança é que isso também aconteça por aqui
Na última sexta-feira (12/01), em uma coletiva de imprensa na cidade de São Paulo, a Abraciclo – Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares – revelou os dados referentes à produção de bicicletas em 2023 e aproveitou para sinalizar as tendências para este ano.
Como já havia sido adiantado ao final de 2022 a previsão de queda na produção se confirmou, mas antes de entrarmos nos números da indústria brasileira sediada em Manaus, é bom passar pelo noticiário especializado do mercado internacional para ver que a situação para os empresários do setor é também preocupante, com falências, encerramento de atividades, demissões e aperto dos cintos por parte dos administradores, não se limitando apenas aos fabricantes/montadores de bicicletas, mas estendendo-se a fabricantes de componentes e acessórios.
após a covid o excesso de oferta
A grande onda surfada no período da pandemia estourou e está escancarando a dura realidade – há excesso de bicicletas nos estoques de fabricantes e distribuidores no mundo todo. Mas há um dilema, em certos mercados faltam consumidores e em tempos de crise, nem todas as pessoas estão dispostas a comprar mais uma bicicleta ou ter mais um modelo para uma atividade específica, melhor apostar na manutenção e em melhorias do que fazer um alto investimento em uma nova aquisição.
A bicicleta ficou cara com o impacto da demanda gerada pela pandemia, mas principalmente pela alta no preço das commodities e também dos fretes, que apesar de terem baixado após a pandemia voltaram a subir.
Fretes altos voltam a impactar o preço final
O recente ataque dos rebeldes iemenitas Houthis a navios cargueiros no Mar Vermelho, que usam a rota para cruzar o Canal de Suez, com destino ao Mediterrâneo fizeram com que os fretes mais que dobrassem, e a alta foi repassada para todas as rotas; e por aqui ainda sente-se o impacto da seca do Rio Amazonas e também no Canal de Panamá, onde o Lago Gatún, elo de ligação entre o Pacífico e o Atlântico, teve uma seca histórica e que para muitas empresas sediadas em Manaus ou em outras regiões do país os navios de carga utilizam o Porto de Colón como Zona Franca para conexões e redistribuição de cargas. Agora após a alta dos preços, as mercadorias que estavam programadas para chegar durante a seca, começam a chegar aos fabricantes.
E a onda de aperto de cintos chega mesmo àquelas empresas que apesar de terem um aumento expressivo nas vendas, a lucratividade caiu como foi o caso da Canyon – seja por necessidade de oferecer descontos maiores para esvaziar estoques ou pela falta de alguns modelos que tinham uma alta demanda e que sofriam com falta de componentes.
Um dos grandes conglomerados de marcas do setor – o Grupo Accell (Atala, Babboe, Batavus, Carraro Cicli, Ghost, Haibike, KOGA, Lapierre, Loekie, Nishiki, Raleigh, Sparta, Torker, Tunturi, Van Nicholas, Winora Carqon e componentes XLC) fechou a fábrica de bicicletas Ghost na Alemanha e redirecionou a produção para outras linhas na Europa, além disso a Fitch Ratings (uma das três maiores agências de classificação de risco de crédito) rebaixou a nota do Accell Group e questiona a possibilidade da empresa de cumprir seus compromissos financeiros.
É a terceira vez que a Fitch Ratings rebaixa a nota da gigante Accell, levanto o “Rating de Inadimplência do Emissor de Longo Prazo do Accell Group, bem como o rating de dívida garantida sênior para CCC”. A definição do rating CCC se traduz em “vulnerabilidade ao não pagamento e depende de condições comerciais, financeiras e econômicas favoráveis para que o devedor cumpra seu compromisso financeiro com a obrigação”.
O Giant Group – da taiwanesa Giant e grande fabricante para importantes marcas – teve uma queda nas vendas (nos três trimestres de 2023 pois os números finais do ano ainda não foram divulgados quando do fechamento desta matéria) de 12,4% em relação ao mesmo período do ano passado. O lucro líquido após impostos sofreu uma redução de 45% em relação ao mesmo período de 2022. E os números só tiveram essa expressão graças ao mercado chinês que registrou um aumento de 70% compensando as perdas nos mercados norte-americano e europeu.
Volatilidade do mercado, guerra de preços e não só. A gigante japonesa dos componentes Shimano também deve fechar 2023 com números nada animadores pois as vendas de no setor caíram 24,8% nos primeiros três trimestres do ano fiscal, em comparação com o mesmo período de 2022. O lucro operacional da empresa caiu 48,8% no mesmo período, para o setor. Além da queda nas vendas a empresa também sofreu com o impacto negativo do recall ou “programa de inspeção gratuito” – o programa global de inspeção e substituição envolvendo milhões de pedivelas Hollowtech e que segundo a imprensa especializada até setembro de 2023 havia custado US$ 114 milhões.
Outra que atravessa dificuldades é a Signa Sports United, empresa com sede na Alemanha dona das marcas Vitus e Nukeproof, e dos gigantes das vendas on-line Chain Reaction e Wiggle que chegou a ser avaliada em USD$ 3,2 bilhoes tem dividas maiores que seu patrimônio e se declarou insolvente. Fechou seus escritórios nos Estados Unidos e demitiu pessoal
Mas os problemas não são exclusivos dos grandes operadores globais, lojistas vem enfrentando dificuldades em praticamente todos os grandes mercados (há muita loja fechando nos Estados Unidos e na Europa) – não há fluxo de caixa, há uma enorme guerra comercial e a disputa pelo cliente muitas vezes leva os preços à faixa do custo ou abaixo do custo na tentativa de salvar as contas e manter o negócio com as portas abertas.
O setor, em praticamente todo mundo, tem contra si as as elevadas taxas de juros, os preços das matérias-primas ditados pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia e também no Médio Oriente, a instabilidade de Taiwan e a fragmentação do mercado que não consegue absorver os choques.
Por outro lado, todo o setor ainda acredita que a luta por mudanças climáticas e o incentivo dos governos, lá fora, pois por aqui ainda não há um plano efetivo que coloque a bicicleta como destaque para que possam alavancar e dar novo fôlego a todo o setor, afinal não se trata apenas de bicicletas completas, mas de todo um sistema que passa por componentes, roupas e muito mais, alimentando uma ampla rede de distribuidores e lojistas.
E é na e-bike – que garantiu para muitos uma manutenção nos números de vendas ou uma perspectiva de futuro, que todos estão apostando, mesmo que para isso ninguém se detenha a observar com mais atenção para os impactos que a mobilidade eletrificada e movida baterias pode provocar no mundo, uma discussão que por enquanto está sendo posta debaixo do tapete dos grandes líderes da política e da indústria mundial.
De volta ao mercado brasileiro, a retração das fabricantes de bicicletas instaladas no Polo Industrial de Manaus – PIM foi de 23,7% em comparação com 2022, com a produção de 456.917 bicicletas bem abaixo da estimativa apresentada ao final de 2022 que previa a produção de 510 mil bicicletas para 2023..
E quando apontamos a e-bike , que apesar de representar apenas 2,5% do volume de produção do Polo de Manaus, esta teve uma alta de 6,2% em relação a 2022, seguindo as tendências mundiais de crescimento da categoria. Em 5 anos, o crescimento foi de 289% e atualmente a indústria sediada no norte do país oferece 25 modelos.
Bicicletas de maior valor agregado, a opção de Manaus
Para 2024, a Abraciclo estima alcançar a produção de 360 mil bicicletas, um volume 21,2% inferior na comparação com 2023.
Por outro lado, a entidade acredita que uma mudança produto, oferecendo componentes e quadros de maior qualidade elevando o ticket médio dos atuais R$ 1,6 mil para R$ 2,8 mil e com isso ter um produto de maior rentabilidade e que não necessariamente exige grandes volumes de produção.
Apesar de todas as dificuldades, principalmente com fluxo de caixa, o atual momento econômico no Brasil com queda de inflação e aumento de empregos é motivador para a indústria, porém, que exigirá dela uma melhor gestão de estoques o que ainda pode provocar muitas ofertas para o consumidor que não se importa com o ano/modelo de fabricação.
Em busca de novos mercados
As fábricas de Manaus que tradicionalmente exportam suas bicicletas para países vizinhos, começam a vislumbrar um novo mercado: a Europa.
Porém, a logística para cruzar o Atlântico será um grande desafio. Afinal as marcas europeias estão levando para perto de casa a sua produção, e Manaus terá que disputar espaço com o Portugal Bike Value ou Portugal Bike Valley como também é conhecido internacionalmente o cluster de produção de quadros e componentes estabelecido em Águeda, na região do Aveiro e que é atualmente o maior produtor da Europa ou com países que vem ganhando espaço como fornecedores de quadros ou componentes como Romênia, Bulgária, Hungria, República Checa e Polônia.
A indústria ainda tem mais duas apostas como oportunidades para crescer 2024 (e daí em diante). Uma delas é no âmbito esportivo com a realização das duas etapas da Copa do Mundo de MTB em Mairiporã e Araxá e onde acreditam que as competições poderão atrair consumidores.
Esporte e desenvolvimento de infraestrutura para crescer
Difícil avaliar qual o real impacto das competições no mercado e – mas vale lembrar que o país já perdeu 2 grandes oportunidades para ver todas as especialidades do ciclismo evoluírem com a realização dos Jogos Pan-Americanos no Rio em 2007 e com as Olimpíadas de 2016 – isso sem falar da etapa da Copa do Mundo em Petrópolis 2022; talvez seja melhor olhar com atenção para o crescimento de provas voltadas para amadores e tentar atrair um novo público para essas experiências.
A outra depende muito de ações junto a governos municipais, estaduais e federal para que se implementem políticas públicas para desenvolvimento de estruturas cicloviárias e de segurança. Em ano de eleição municipal as promessas serão muitas. A questão é em quanto tempo e se esses planos realmente saem do papel ou ficam só nas promessas.
O consumidor está abrindo o olho e deixando de ser otário, meteram a mão no bolso da população durante muitos anos com valores extorsivos das bicicletas, valores sem nada que justificasse, pura ganância, a modinha tá passando, a procura diminuindo e junto com a procura baixa os preços também estão cada vez mais baixos.