Em matéria exclusiva para a revista alemã Der Spiegel e repercutida praticamente por toda a imprensa mundial nesta sexta-feira (7/09), a velocista e multicampeã alemã Kristina Vogel decidiu tornar pública a sua condição de paraplégica; descreveu o acidente na pista do velódromo de Cottbus no dia 26 de junho e como foi o processo e se dar conta da grave lesão sofrida na pista, mostrando mais uma vez ser durona e logo de cara mandou um “Desculpe, eu não choro”
Sem meias palavras e de forma muito direta, Kristina Vogel , de 27 anos , falou pela primeira vez sobre o acidente que a deixou paraplégica e a pergunta que rondou em sua cabeça “Por que Eu?”.
O acidente aconteceu em um dia normal de treinamentos, aonde a equipe se preparava para uma importante competição nacional, o GP da Alemanha de Pista. “Era um dia de sol normal, como outro qualquer. Mas tínhamos muitos planos para o dia. Queríamos pedalar, depois à tarde sairíamos para correr de kart e tomar algum coquetel à noite em algum bar. Era o aniversário de Maximilian Levy meu companheiro de equipe”.
A velocista estava na pista treinando forte “Estavamos pedalando com a Pauline Grabosch, minha companheira de equipe no sprint (ndr.: prova da velocidade por equipes) , pedalando à frente, as duas em posição aerodinâmica, então ela sai e assumo a frente, então tudo escureceu rapidamente, tudo ficou escuro”. Vogel estava a mais de 60 km/h quando um ciclista holandês, da categoria júnior, cruzou a sua frente, ela teve um rápido apagão, acordou ainda deitada na pista “senti uma pressão muito, muito forte, como se todo o corpo estivesse inchado”, contou Kristina.
Após o acidente Vogel foi colocada em coma induzido e passou por vàrias cirurgias. Até a sexta-feira 7 de setembro, não haviam circulado informações sobre a real condição da ciclista, porém seu técnico Detlef Uibel que estava na pista no dia do acidente e seu manager Jörg Werner, desde o primeiro momento, sinalizaram que a lesão na coluna era gravíssima, ao mesmo tempo houve uma interrupção na divulgação de notícias ou informações sobre as reais condições de saúde, apenas familiares e amigos mais íntimos tinham ciência da gravidade.
O técnico da seleção alemã , Detlef Uibel descreveu o acidente como uma “sequencia de circunstancias infelizes ” e declarou que o jovem holandês com quem Kristina se chocou não tem culpa e apontou que é comum em eventos menores mais pessoas estarem utilizando a pista ao mesmo tempo, dividindo o espaço, coisa que não acontece em um Mundial, Copas do Mundo ou Campeonato Europeu quando os treinos tem um maior monitoramento. “Mas isso é difícil de pagar em eventos menores e até agora nunca foi um problema”, disse o técnico da seleção dias depois do acidente durante o congresso técnico do GP da Alemanha, realizado poucos dias após o acidente, ele ainda falou aos seus colegas . “Nós também temos que ver este acidente como um alerta para nós como treinadores. Eu não quero entender isso como uma reprovação, mas temos responsabilidade pelos atletas “, o treinador visivelmente emocionado finalizou dizendo: “Temos que tirar lições disso para o futuro”.
A ciclista, natural do Quirguistão, imigrou para a Alemanha com seus pais ainda bebê, disse que percebeu imediatamente após o acidente que estava paralisada. “Eu vi alguém ir embora com minhas sapatilhas. Mas não senti quando elas foram retiradas. Percebi imediatamente estava paraplégica, ficou imediatamente óbvio para mim que era isso. O esporte, o futuro, tudo isso de repente se tornou muito pequeno. O futuro agora era bastante agudo, era um chamado de sobrevivência”.
Vogel também falou ao Der Spiegel sobre as semanas no hospital em Berlim, sobre as operações e os dias em coma induzido: “No meio, eu realmente achava que estava morrendo. Mas eu disse a mim mesma: agora eu não posso me deixar levar “. “Eu não queria que as pessoas me vissem com tais ferimentos”, disse ela, acrescentando que “nas primeiras imagens de raios X, minha coluna parecia uma mesa dobrável da Ikea (Ikea uma rede de lojas de móveis ). Estou muito feliz por ainda estar viva e ter braços totalmente funcionais. Eu poderia muito bem ter ficado paralisada do pescoço para baixo.”.
Sua medula espinhal foi separada da sétima vértebra torácica, perdendo sensação nas pernas. “Não importa o que o destino tenha para você, a vida continua”, diz Vogel, “no meu caso agora em quatro rodas ao invés de duas rodas.”
“É uma merda, não posso dizer isso de outra maneira, faça o que fizer, sei que não voltarei a caminhar”, acrescentou Vogel, 11 vezes campeã mundial e bicampeã olímpica. “Mas o que eu posso fazer? Eu sempre penso que quanto mais cedo você aceitar uma nova situação, você pode lidar melhor com isso.”.
Não foi o primeiro acidente de Vogel, em 2009, aos 18 anos uma van cortou o seu caminho Vogel; ela voou pela janela traseira a uma velocidade de 50 km/h, ficou em coma por dois dias, sofreu inúmeras fraturas nas vértebras torácicas, na mão, no braço, na mandíbula e perdeu quase todos os dentes. O processo também foi i seguido por inúmeras operações e medidas de reabilitação. Até hoje, as cicatrizes são visíveis no rosto dela. “Na verdade, eu deveria ter ficado paraplégica desde que quebrei a minha quinta vértebra torácica “, disse Vogel, fazendo uma retrospectiva.
Vogel é a ciclista alemã de maior sucesso nos velódromos e seu grave acidente provocou grande consternação na seleção nacional, a ciclista era praticamente um símbolo da equipe, sempre motivando seus companheiros e contagiando todos com seu bom humor. Seus companheiros da pista sob a liderança de Max Levy e a equipe Chemnitzer Erdgas-Team, pela qual ela corria, lançaram uma campanha para arrecadar fundos com a hashtag #staystrongkristina, com a qual já conseguiram arrecadar cerca de 120.000 euros. O dinheiro será fornecido para a família de Vogel que atualmente tem um relacionamento com o ex-campeão europeu de pista Michael Seidenbecher. Vogel ficou impressionada com o apoio recebido: “Mas quando eu entendi o que estava acontecendo lá fora – foi uma martelada. Perceber como as pessoas são importantes e o quanto elas participaram”. ”
“Não importa o que o destino tenha para você, a vida continua, no meu caso agora em quatro rodas ao invés de duas rodas. Meus braços também são minhas pernas agora. “A pergunta” Por que eu? “Não a leva mais longe, não ajuda.
Na entrevista deixou claro que era cedo demais para pensar em um futuro como atleta paraolímpica, mas declarou “agora estou pronto para dizer: aqui estou e estou bem. Ainda estou lá e continuo a mesma velha maluca que você conhece . Eu quero ser uma motivação para os outros. Não importa o que o destino tenha para você, a vida continua, no meu caso agora em quatro rodas ao invés de duas rodas. Meus braços agora são também minhas pernas.”
Ela ainda está no hospital. Seu objetivo é ir para casa até o final do ano. E então? “Eu tinha planos para os próximos cinco anos a minha vida. Pela primeira vez eu não tenho nenhum “, disse Kristina. Ela além de ciclista trabalhava na Polícia alemã que já lhe apresentou algumas opções de funções que ela poderia executar com a atual condição.
O esporte paraolímpico poderia ser uma opção, porém Vogel deixa a questão em aberto. “Eu não sei se quero voltar a esportes competitivos e, em caso afirmativo, que tipo de disciplina.” . Agora ela tem que entender sua paralisia. “Eu não sei o que quero fazer daqui para a frente “, diz. Mas um de seus técnicos na seleção alemã o ex-campeão mundial, Michael Hübner, tem certeza: “Eu conheci sua personagem como a de uma pessoa que nunca desiste. Ele vai voltar – o tema da Paraolimpíada ainda não acabou, tenho certeza”.