Cultura, fotografia, comportamento
Lewis Hine: fotografia, sociologia e os bike couriers
Inicio do século XX os Estados Unidos despontam como potencia econômica; a demanda por mão de obra era atendida por um exército de imigrantes europeus. Entre os milhares de imigrantes que ocuparam postos de trabalho na cidade e no campo, destacam-se as mulheres e as crianças que, recebendo salários inferiores aos dos homens, aumentavam as margens de lucro patronal e expunham uma relação de exploração e marginalidade nas grandes cidades.
Naqueles tempos de industrialização era comum as crianças formarem uma boa parcela da mão nos Estados Unidos, não havia idade mínima, bastava a necessidade e encontrar o local para fazer bicos ou para puxar longas jornadas laborais. Pedalar para alguns garotos era mais que diversão, era questão de sobrevivência.
Ninguém melhor que o fotógrafo e sociólogo estadunidense Lewis Hine para retratar, através das fotografias, esses abusos. Em 1890, cerca de um milhão de crianças entre 10 e 15 anos trabalhavam (12% do total), e em 1910 somavam quase dois milhões, ou 18% do total, sem incluir nesses números os trabalhadores do meio rural.
Hine foi contratado como fotógrafo e inspetor do Comitê Nacional do Trabalho Infantil em 1908 registrando as condições do trabalho em indústrias, e também as questões de saúde pública e de discriminação de minorias.
Entre 1908 e 1924, trabalhou para o Comitê Nacional do Trabalho Infantil (NCLC) produzindo um vasto material sobre a vida das crianças estadunidenses. O estudo se transformou em um dos mais importantes documentos fotográficos da época. Mais de 5 mil fotografias em papel e 300 negativos de vidro estão arquivados na Biblioteca do Congresso Americano.
O trabalho de Lewis Hine contribuiu para a criação de diversas leis trabalhistas e de reforma social. Seus registros foram determinantes para a mudança, porém, somente muitos anos após a sua morte, em 03 de novembro de 1940 que Hine foi reconhecido como grande fotógrafo, tornando-se uma referência da fotografia documental com muito destaque aos retratos posados de crianças.
Como um fotógrafo, na tentativa de levar adiante a sua pesquisa de imagens foi frequentemente intimidado, isso quando não recebeu ameaças de morte vindas das “polícias de fábrica” e capatazes de plantão; eram tempos de grande repressão contra o trabalhador, e quaisquer questionamento ou tentativa de denuncia era violentamente reprimida . Na época, a imoralidade do trabalho infantil era escondida do público. A fotografia quase foi proibida, pois representava uma ameaça grave à indústria.
Para garantir seus clicks Hines usou de vários disfarces, vestindo-se de operário, inspetor do corpo de bombeiros, entregador dos correios, vendedor de Bíblias e claro fotógrafo de máquinas industriais. Valia a criatividade, seu estilo fez escola com o tempo.
Para os leitores do MundoBici selecionamos alguns registros que mostram os primeiros garotos que trabalhavam como entregadores de bicicletas. Muitos com jeito de durão faziam jornadas de sete dias de semana que poderiam chegar a horríveis 17 horas de trabalho. Grande sofrimento empurrando pedais para fazer rodar bicicletas pesadíssimas alguns já a partir dos 6 anos de idade. Muitos desses garotos trabalhavam no submundo, em regiões como a Red Light a serviço de cafetões e prostitutas carregando bebidas, cigarros, drogas. Os ganhos para os mais bem pagos chegavam a 15 dólares, em longas jornadas de duas semanas.
A reforma trabalhista limitando o trabalho infantil só aconteceria em 1938, num país ainda sob os efeitos da grande depressão, Hine viria a falecer dois anos depois.
É interessante que, enquanto as fotografias de mensageiros de Lewis Hine contribuíram para os esforços de reforma do trabalho precoce, mensageiros de bicicleta contemporâneos ainda muitas vezes enfrentam condições de trabalho injustas quase um século depois. Os bike couriers modernos certamente que não são jovens de 12 anos, e nem são forçados a trabalhar 13 horas por dia. Porém segundo relatos, ainda hoje há mensageiros nos Estados Unidos que são forçados a trabalhar por muitas empresas de courier com contratos por debaixo dos panos ou o uso de mão de obra de imigrantes ilegais , como resultado esses ciclistas não recebem benefícios sócias básicos como o seguro saúde.
Todas as fotos desta matéria são da Coleção Lewis Hine da Library of Congress Prints and Photographs Division, Washington D.C.