CAMPENAERTS PEDALA 55,089 KM É O NOVO RECORDE DA HORA

O belga Victor Campenaerts escreve seu nome na história dos ciclistas mais duros e resistentes que ao longo de uma hora conseguem percorrer a maior distância. No Velódromo Bicentenário, na altitude de Aguascalientes ele percorreu 55,089 km, superando o recorde anterior em 563 metros. O recorde não veio por acaso e envolveu até um retiro para treinamento na Namíbia, testes em túnel de vento e ioga para relaxar

É oficial: 55.089 km é o novo recorde da hora

Aos 27 anos e em seu segundo ano de contrato com a equipe Lotto-Soudal, o belga Victor Campenaerts se firma como um dos grandes especialistas no duelo contra o relógio.  Ele é bicampeão europeu de CRI em 2017/18, medalha de bronze no mundial de Innsbruck/18. Na atual temporada ele disputou  apenas a Tirreno Adriático, entre os dias 13 e 19 de março, aonde conquistou a sua primeira vitória em uma prova  WorldTour  com o melhor tempo na CRI que encerrou a volta italiana.

Nesta terça-feira (14/04) ele superou por 563 metros o recorde anterior de 54,526 km/h, estabelecido por Bradley Wiggins no Lee Valley VeloPark, em Londres, em junho de 2015. Para muitos pode parecer pouco, mas são pouco mais de duas voltas na pista de 250 metros em um desafio solo e altamente desgastante.

Campenaerts pedalou com consistência a Flying Moustache no velódromo de Aguascalientes

Os planos para o recorde de Victor Campenaerts começaram a ser traçados logo que ele assinou contrato com a Lotto-Soudal. No início do quando  ele foi para o túnel  de vento do Flandres Bike Valley para fazer os ajustes na bicicleta que utilizaria nas provas de crono ao longo da temporada, uma Ridley Dean Fast.

Campenaerts é um dos ciclistas mais bem casados com a sua máquina, sendo um dos mais aerodinâmicos da posição. Sobre suas experiências nos testes no túnel de vento para a tentativa do novo recorde da hora, destacou um momento aonde uma serie de mudanças resultaram em um expressivo ganho de desempenho.

“Para poder encontrar sua melhor posição, você precisa testar e medir. Depois desses testes iniciais nós levantamos o meu guidão em 7 cm, o que é muito! Para otimizar ainda mais eu precisava abaixar meus ombros, puxá-los para os meus ouvidos e empurrar meu queixo para as palmas das minhas mãos. Essa mudança de posição resultou em um aumento de desempenho de 5%! ”, segundo Victor. Foi no túnel de vento que foi constatado um melhor desempenho aerodinâmico quando o ciclista utilizava o capacete Adjatt HJC sem a viseira, isso provocou um novo posicionamento sobre a bicicleta mantendo a cabeça por um maior tempo abaixada.

Campenaerts durante sua aclimatação na Namíbia foto: Jan De Meuleneir / Photonews

O trabalho de Campenaerts começou no Tissot Velodrome, em Granges, na Suíça, aonde passou por uma série de testes e aonde trabalhou em cima da bicicleta e estabeleceu os parâmetros para a sua progressão ao longo do desafio de superar a marca da hora de Wiggins.

Depois da perfeita integração entre ciclista e bicicleta ele se deslocou para a Namíbia para um treinamento de dois meses em altitude. Segundo ele o local “Definitivamente não é o melhor local para o ciclista médio treinar!”, porém ele tinha lá seus motivos. Sob indicação de seu antigo treinador, na holandesa Lotto-Jumbo, ele foi para um resort utilizado para a preparação triatletas holandeses. Entre as vantagem estava a altitude do local, a 1.730 metros acima do nível do mar, muito próxima aos 1.800 metros de Aguascalientes, no México e além disso está no mesmo fuso horário da Bélgica, o que não exigia adaptações a um fuso horário, era chegar e pedalar.

“A altitude não é a maior vantagem. É o suficiente para melhorar o desempenho, mas 2.200-2.400m seria melhor. No entanto, eu não queria me isolar em uma montanha ou ter que treinar na neve”, destacou Campenaerts quando optou pelo país africano. Outro fator muito importante e foi a condição climática encontrada no local de treinamento, durante os dois meses ele esteve a 35ºC, em condições de umidade também muito próximas às encontradas no México com isso seu organismo teve um bom período de adaptação com resultados concretos mostrados ao longo da hora pedalada. “Graças a ter treinado em 35 ° C, aumentou o meu volume sanguíneo e o plasma sanguíneo, o que irá melhorar o fluxo de oxigênio para os meus músculos e, finalmente, o meu desempenho. Graças a essa preparação, ficarei confortável nessas circunstâncias. ”, contou o ciclista quando ainda estava em seu período de treino.

Detalhes da preparação: Victor executa um exercício de estabilidade do core para a posição de contra-relógio – foto: Ridley

Campenaerts foi detalhista com a preparação física e um ponto que foi muito trabalhado foi a estabilidade do core, ou do núcleo central que envolve os músculos profundos da região abdominal, lombar e pélvica que garantem uma melhor estabilidade.

O novo recordista fez um trabalho especifico para a posição em que ficaria sentado na bicicleta por 1 hora. “Fazer um contra relógio requer uma posição específica. É importante ser capaz de manter essa posição ideal enquanto está sentado o mais estável possível. É por isso que faço treinamento muscular específico ”, explica Victor . que complementou ”Graças a essa preparação, ficarei confortável nessas circunstâncias. ”,  treino meus ombros e minhas costas. Ambos estão sendo colocados em uma posição tão específica durante um contra-relógio, eles têm que estar 100% prontos para o trabalho”.

Na preparação também estavam incluídos exercícios de Ioga relaxante, seguindo já um trabalho que ele adota nas provas de etapas quando à noite pratica a Yin Ioga aonde as posturas adotadas são mantidas por períodos mais longos. Segundo o ciclista: . “É a melhor maneira de se livrar de alguma adrenalina”.

Os testes no túnel de vento serviram para otimizar o desempenho em 5% – foto: Ridley

O modelo Arena TT, da Ridley, ganhou uma atenção especial, a exemplo do que a fábrica já havia feito para os pistard’s belgas Jolien D’Hoore e Japser De Buyst quando cada quadro foi trabalhado com uma geometria personalizada, assim a Arena TT tem praticamente a mesma geometria do modelo Dean Fast usada nas cronos por Campenaerts.  A proposta final é colocar o ciclista em sua posição ideal. ”Em vez de encaixar os ciclistas em suas bicicletas, montamos as bicicletas de acordo a cada ciclista” destaca o fabricante.

Em uma campanha promocional feita pelo diário esportivo belga Sporza a bicicleta foi batizada pelos fãs com o nome de Flying Moustache (Bigode Voador), em alusão aos bigodes que segundo o ciclista também tiveram um cuidado para não afetar a aerodinâmica.

Guidão mais estreito e apoios aerodinâmicos construídos sob-medida para Campenaerts

Os apoios de braços ou clipes começaram a ser desenvolvidos em 2018, logo da chegada do ciclista à Lotto Soudal quando foi retirado um molde dos braços direito e esquerdo do ponto de apoio dos cotovelos até a ponta aonde o ciclista segura o guidão aerodinâmico , depois o modelo final foi elaborado em carbono. Esse clipe ou guidão aerodinâmico foi aprovado pela UCI e Victor usou pela primeira vez esses apoios no Mundial de CRI  em Innsbruck, no ano passado. O guidão, que só é utilizado para o esforço de largada por cerca de 15 segundos é de apenas 33 cm, quando os modelos utilizados geralmente variam de 38 cm a 44 cm, o argumento para uma peça tão estreita seria de que melhoraria a aerodinâmica.

O tubo inferior recebeu o tratamento F-Surface Plus que é uma superfície texturizada (semelhante a ranhuras em uma bola de golfe) em locais estratégicos para diminuir o arrasto aerodinâmico. O que essas ranhuras fazem é criar uma pequena turbulência fazendo com que o fluxo principal de ar siga melhor a forma do tubo.

No velódromo de Aguascalientes, nos testes prévios ao recorde ele chegou a utilizar transmissões 63×15 e 59×14, na pratica as duas são parecidas com uma progressão de 8,70 metros por pedalada, porem foram levadas coroas nas sequencias de 58 a 63 dentes e pinhões de 13 a 18. Para aliviar o peso, ao invés de uma corrente de pista, foi utilizada uma corrente de estrada e para isso asa coroas e a corrente foram fresadas.  

A bicicleta do recorde da hora estava equipada com rodas Campagnolo Ghibli calçadas com tubulares Vittoria, pedais Look Keo Blade 20, rolamentos C-Bea e pedivelas Campagnolo SRM-ready.

Detalhista Campanaerts esteve muito centrado, largou bem e foi aumentando gradativamente o ritmo e aos poucos já sinalizava que estava pedalando para quebrar o recorde. Após 20 quilômetros, ele rodava 11 segundos à frente de Wiggins, pouco depois ampliou 16 segundos melhor do que o recorde anterior. Sua média subiu para 55,158 km / h quando faltavam pouco menos de 25 minutos do final, aos poucos procurou manter o ritmo para não comprometer o desempenho nos minutos finais, quando o desgaste físico e mental minam a energia do ciclista. Ao final percorreu pouco mais de 220 voltas, sendo computados 55,089 km pedalados em uma hora

“Estou super feliz, sou parte dos maiores ciclistas do Recorde da Hora. Eu pensei nisso por um longo tempo. Estou feliz por ter quebrado a marca mágica de 55 quilômetros. Foi super difícil, eu estava um pouco otimista nos primeiros 30 minutos e então eu disse a mim mesmo que eu tinha que desacelerar um pouco o ritmo, mas mesmo com isso eu acho que era mais rápido que o Wiggins em todas as partes. A equipe me deu toda a confiança de que precisava e foi capaz de respondê-las da maneira certa ”, comemorou o belga.

Campenaerts, que nasceu em Antuérpia, é o quarto belga a acrescentar o seu nome à lista dos recordistas da Hora que se iniciou comn Oscar Van den Eynde (1897), Ferdinand Bracke (1967) e Eddy Merckx (1972). 

Vale destacar que Campenaerts não foi o primeiro a superar a marca dos 55 km em uma hora dentro de um velódromo. Em outros tempos, quando a UCI deixava a criatividade de engenheiros fluir e posições sobre as bicicletas eram mais arrojadas, em novembro de 1994, o suíço Tonny Rominger, no velódromo de Bordeaux , na França pedalou 55,291 km/h, cerca de dois anos depois, no velódromo de Manchester, o britânico Chris Boardman atingia a incrível marca de 56,375 km/h. Porém, em 1997 a entidade máxima do esporte resolveu mandar para fora da pista todo recorde obtido com bicicleta que não fosse de geometria tradicional. Em 2014, mais uma vez, as regras seriam revisadas e bicicletas de pista com a mesma geometria das utilizadas nas provas de perseguição poderiam ser utilizadas.

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