Wonderful Losers, a different world, documentário do lituano Arunas Matelis mostra o outro face do ciclismo. Um lado único aonde o sacrifício e a derrota, podem ser a vitória. Premiado em muitos dos países aonde foi exibido, Perdedores Maravilhosos, um mundo diferente, revela algo pouco destacado nos filmes sobre ciclismo: o mundo dos gregários
O cinema tradicionalmente aborda a visão dos vitoriosos, com o ciclismo, não foi diferente, apesar de que nos últimos tempos tivemos uma profusão de filmes abordando o doping – principalmente o caso mais famoso e de maior repercussão envolvendo a polemica carreira de Lance Armstrong, com os filmes O Programa (The Program), Stop at Nothing: the Lance Armstrong History, A mentira de Armstrong. Também tivemos Pantani: a morte acidental de um ciclista e para completar, apesar de não ser 100% sobre ciclismo, tivemos o aclamado Icarus escrito e dirigido por Bryan Fogel e Mark Monroe.
Mas anos antes tivemos outros filmes que marcaram época como o documentário de apenas 18 minutos, Vive Le Tour, dirigido por Louis Malle de 1962, ainda um marco para do esporte. Na história do ciclismo na telona se destaca o épico A Sunday in Hell– Um domingo no Inferno, de 1976, dirigido por Jørgen Leth que coloca o público dentro da paris-Roubaix e tem como “heróis” Eddy Merckx, Roger De Vlaeminick, Fredddy Maertens, Francesco Moser. Isso sem falar de estórias romanceadas como Breaking Away, o Vencedor, de 1979 ou American Flyer’s, Competição de destinos de 1983, ambos marcaram uma geração de garotos que se apaixonaram pelo esporte e foram às ruas e estradas com suas estradeiras de 10 velocidades.
Em geral os diretores buscam o épico, a façanha, um grande nome, um grande escândalo em seus roteiros. O lituano Arunas Matelis optou por uma outra abordagem, deixou de lado asa traições e o lado obscuro do esporte, para voltar suas lentes para os que são muitas vezes esquecidos do grande público e da mídia não especializada: os gregários. Aqueles que se sacrificam por seu companheiro de equipe para conseguir um lugar no pódio.
Poucos voltaram suas lentes para o ciclista que sofre, que faz o trabalho pesado de ir buscar as caramanholas ou as sacolas com comida, e que tem de se virar e conseguir colocar seu líder nas melhores posições quer seja nas montanhas ou em um sprint.
Em Wonderful Losers, os heróis não são Valverde, Nibali, Froome, Quintana ou que já deixaram sua marca como Indurain, Moser, Anquetil, Coppi ou Bartali. Em Perdedores Maravilhosos, destacam-se Paolo Tiralongo, Daniele Colli, , Svein Tuft. Jos van Emden ou Jetse Bol, ciclistas que não frequentaram o pódio que não conhecem o prazer da festa, mas que no dia seguinte estão mais uma vez preparados para o combate. Ciclistas que sacrificam suas carreiras para a glória de seus companheiros.
O que motiva esses ciclistas a pedalar no absoluto anonimato em um dos esportes mais exigentes fisicamente e psicologicamente? O diretor, apresenta esses homens como verdadeiros “Sancho Pança” do ciclismo profissional, acompanhando a vida, até então invisível desses homens, sem os quais as equipes profissionais ficariam sem pódio ou troféu.
“A cabeça é a coisa fundamental para um ciclista, se você se deixar levar psicologicamente, acabou, Não é fácil ser gregário, na verdade ás vezes pode ser mais difícil que ser o capitão. Porque no final você tem a mesma pressão do seu líder: um com a pressão do resultado e você com a pressão de render o máximo e de fazer o teu trabalho todos os dias para o capitão”, comenta Paolo Tiralongo que correu como profissional entre 2000 e 2017 e que atualmente trabalha como técnico.
O Canadense Svein Tuft, ciclista da Mitchelton Scott narra com estas palavras o tombo de um gregário: “Você se levanta e está confuso e dolorido. Muitas vezes é apenas um choque, não necessariamente você fraturou alguma coisa. Você está chocado e você tem que voltar para você, você olha em volta e vê vários homens que gritam, segurando suas pernas … equipamentos em todos os lugares, bicicletas quebradas e … parece estar em um campo de batalha. E então você começa a voltar para si mesmo, você começa a entender e você diz: Ok, isso dói, mas não há nada quebrado, eu posso me mover bem. E assim que você começaa entender isso, os mecânicos chegam e se ocupam da sua bicicleta. Você repete: estou bem, posso continuar a corrida. Para mim, abandonar significa dar as costas aos meus companheiros de equipe. Estou ferido, mas ainda não terminei. Ainda posso fazer algo por eles, pelo capitão, pela equipe. “ e conclui “Alguns dos momentos mais bonitos da minha carreira estão ligados a quando dei tudo para que o meu companheiro de equipe pudesse alcançar o sucesso. No final , seu sucesso é o meu sucesso. Quanto melhor eu fizer meu trabalho, mais meus capitães serão capazes de vencer. Quando você sente isso, você sabe que encontrou o lugar certo no grupo, você sabe que é um verdadeiro gregário ».
A produção de Wonderful Losers teve um custo de pouco maios de 453 mil euros ( R$ 1,931 milhão ) pode ser considerada como uma verdadeira equipe do pelotão profissional e suas multinacionalidades. Oito países estão envolvidos no projeto: Lituânia, Letônia, Bélgica, Suíça, Irlanda do Norte, Irlanda , Espanha e Itália.
O documentário foi produzido durante todas as etapas do Giro de 2014 (e também algumas etapas da fase inicial do Giro’2015) e por isso também contou com o apoio de entidades ligadas ao desenvolvimento do cinema como a Trentino Film Commision, Piemonte Doc Film Fund , Film Commission Friuli Venezia Giulia e da Comissão de cinema da região Puglia.
O filme levou alguns anos para ser produzido e concluído, com muita gente envolvida, e também com a dificuldade encontrada para se conseguir o espaço para produzir um filme dentro de uma grande volta. “Batalhamos por cinco anos para conseguir as autorizações necessárias para filmar. A última vez que concederam autorizações para a produção de um documentário foi em 1973”, disse o diretor Arunas Matelis, referindo-se ao documentário do dinamarquês Jørgen Leth, Stars and Watercarriers, sobre o Giro.
Em um debate, realizado em Nova York, durante a apresentação do filme no último mês de outubro, Matelis revelou que o projeto precisou ganhar mais tempo: “Começamos com um ano de filmagens, mas percebemos que precisávamos de mais tempo, assim foram dois anos”. O projeto ganhou corpo exigiu a chegada de um novo montador durante a fase de edição, e como o próprio Matelis define, um verdadeiro trabalho de gregário com muita cansaço, empenho e dedicação.
“A essência do ciclismo é a de encontrar a felicidade no sacrifício. E isto está intimamente ligado ao papel dos gregários que sabem que não podem cobiçar o pódio”, acrescenta o diretor, que revelou durante o debate realizado no último mês de outubro ele mesmo ter sido, quando jovem, um gregário, “um verdadeiro perdedor”.
“Além disso, neste esporte o próprio papel do gregário é uma metáfora da vida, que pode ser aplicado para qualquer setor. O talento, o compromisso, o sacrifício não são colocados a serviço do próprio sucesso, mas da equipe: o objetivo é se sacrificar sem buscar o reconhecimento. E isso também fala muito sobre a nossa sociedade, onde há líderes que comandam tem sucesso e de colaboradores cujo trabalho não é visto e nem reconhecido “, destaca o diretor de Wonderful Losers.
Apesar de parecer haver uma grande carga aonde os gregários são os grandes derrotados do trabalho, a abordagem do lituano não se mostra piegas. Pelo contrário, colocando so gregários como uns abnegados e alçando-os à condição de pequenos heróis da estrada, com temperamento de aço .
Perdedores Maravilhosos também apresenta parte do trabalho dos médicos e socorristas durante as etapas, quando estes muitas vezes tem de se deparar com ciclistas de elevado senso de dever que chegam ao extremo de minimizar dores e feridas para completar uma etapa.
“Para mim, essa foi uma descoberta: ver um médico trabalhando me lembrou de um hospital de campanha, onde um guerreiro ferido, um ciclista ferido, recebe um rápido atendimento para ser enviado de volta à batalha. E é algo que abala a consciência porque aquelas pessoas feridas, que normalmente seriam hospitalizadas, aqui, ao contrário, voltam ao movimento, retornam ao meio da batalha, retornam a serviço de seu capitão. Então a história dos médicos torna-se o ponto de entrelaçamento com as confissões dos gregários”, comenta Matelis.
Wonderful Losers, foi lançado em outubro de 2017 durante o Festival de Varsóvia e aos poucos começa a ser exibido na Europa e Estados Unidos. Não há previsão do lançamento para os cinemas no Brasil. O documentário foi selecionado pela Lituânia para a concorrer a duas premiações da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, na 91ª edição do Oscar, no próximo dia 24 de fevereiro de 2019. Uma como a de Melhor Filme e outra como Melhor Documentário, aonde pode ter alguma chance.
O filme contou com a consultora da ex-ciclista lituana Edita Pucinskaite, campeã mundial em Verona/1999, campeã do Tour de France Feminino de 1998 e do Giro d’Italia 2006/07.
Até agora o documentário, Wonderful Losers, (Perdedores Maravilhosos), já conquistou os seguintes prêmios:
Festival de Cinema de Varsóvia – Melhor Documentário – 2017
Festival de Cinema de Minsk Litaspad – Grande Prêmio – Melhor Documentário – 2018
Festival de Cinema de Minsk Litaspad – Prêmio do Público – 2018
Prêmio da União dos Cineastas Lituanos – Melhor Filme Lituano de 2017
Trieste Film Festival – Melhor Documentário de 2018
National Lithuanian Film Awards – Melhor Documentário 2018
National Lithuanian Film Awards – Melhor Edição 2018
National Lithuanian Film Awards – Prêmio do Público 2018
Festival Internacional de Cinema de Baltijos Banga – Prêmio do Público 2018
Ulju Mountain Film Festival – Melhor filme de Exploração e Aventura – 2018
Kendal Mountain Film Festival – Prêmio Especial do Júri 2018
Ficha técnica:
Wonderful Losers, a different world
Duração: 1h11m (71 min.)
Direção e roteiro: Arunas Matelis
Pesquisa e consultoria: Edita Pucinskaite
Trilha sonora: Alberto Lucendo
Edição: Mirjam Jegorov
Produção: Studio Nominum-Lituânia