16 anos de doping e uma conclusão: “Se eu não tivesse me dopado jamais teria vencido. Eu não me arrependo de nada. Eu menti, eu traí, eu fiz o que tinha que ser feito para chegar em primeiro. No ciclismo todos sabem a verdade, mas a verdade é inaceitável”. Este é apenas um trecho das 288 páginas de “Bestas da Vitória” livro biográfico que será lançado na próxima terça-feira (26/04) na Itália, um relato da carreira do ex-ciclista profissional que foi banido do esporte: Danilo di Luca
Pode parecer até mais do mesmo, na Europa e nos Estados Unidos não falta literatura sobre o assunto, já para o leitor brasileiro e fã de ciclismo os livros sobre Lance Armstrong, A Corrida Secreta de L.A. e Circuito de Mentiras – já revelaram muito do que foram os anos negros do ciclismo, mas poucos são os relatos em que o dopado realmente diz que tomou e o fez para vencer. Danilo di Luca com a mesma falta de pudor que teve para se dopar, conta a sua verdade dos seus 30 anos de ciclista e dos 16 anos em que correu como profissional quando não poupou meios para se dopar e tentar a vitória a qualquer custo. O livro foi escrito em parceria com Alessandra Carati, editora e gosthwriter.
Inspirado pelo livro “Open” , aqui no Brasil André Agassi – Autobiografia – “porque não trata de apenas uma história, é um livro de uma vida. Te faz entender quantas emoções e quanto sofrimento há por trás de um campeão do esporte. E te dá vontade de ver este esporte, mesmo que você não seja um fã dele”, comentou Di Luca quanto ainda pensava em começar a colocar sua vida no papel.
O livro “Bestie da Vittoria” – em tradução livre Bestas da Vitória, não tem previsão de lançamento no Brasil, traz a narrativa do ciclista desde o sonho de criança, quando aos 8 anos de idade se imaginava com uma bicicleta de ouro e de como trapaceou para tentar chegar a essa conquista e ser apanhado três vezes nos testes antidoping do Giro d’Italia, a primeira em 2007 por um teste atípico uma provável auto-transfusão, em 2009 por uso de CERA e em 2013 por EPO que resultou no banimento pelo resto da sua vida do esporte e que agora aos 40 anos, o empurrou para uma nova profissão, a construção de quadros de bicicleta.
Com uma carreira que começa a tomar forma com a medalha de bronze na categoria sub-23 na prova de estrada no Mundial de 1998, em Valkenburg, Di Luca tinha as condições para ser um grande em 2005 venceu as clássicas Flèche Wallone , Amstel Gold Race e a Vuelta al País Basco e duas etapas do Giro, com os bons resultados garantiria o primeiro lugar da classificação do ranking UCI Pro Tour.
A grande temporada de Di Luca foi em 2007 vencendo a Milano-Torino, a Liège-Bastogne-Liège e repetindo o sucesso na Flèche Wallone e na Amstel Gold Race. Além de duas etapas e a classificação do Giro d’Italia, porém naquele ano se acende o primeiro sinal dos seus positivos, seu nome aparece na investigação “Oil for Drugs” e também um resultado “atípico “ na 17ª etapa do Giro, o caso foi apenas julgado na Itália e recebeu uns meses de punição. Em 2009 quando liderava o Giro dois controles acusaram positivo para CERA, e recebe uma punição de 2 anos de suspensão, porém graças à sua colaboração nas investigações na luta contra o doping da procuradoria de Padova, a sua pena é reduzida , retornando às competições em outubro de 2010.
Em 2013, se valeu da grande amizade com o dono da Vini Fantini o coloca novamente no pelotão para disputar o Giro, porém em um controle surpresa, realizado dias antes da largada do Giro, quando apenas havia assinado seu novo contrato testa positivo para EPO recebendo a punição de suspensão vitalícia das competições de ciclismo pela UCI. Era o fim de carreira para um dopado convicto.
Di Luca agora, como ele mesmo deixa claro, leva uma vida de gente normal: “É uma vida mais normal, e não uma vida de esportista. Quando você corrida de bicicleta em um certo nível, você não sabe nada do mundo, vivem em uma bolha. E você é submetido a uma tensão física e mental constante. Agora eu conheço pessoas de fora do ambiente (ciclístico), saio à noite e chegou tarde, eu posso escolher quando sair de férias, eu posso praticar outros esportes, sem medo de me machucar. Acima de tudo, eu já não tenho o estresse de informar a qualquer um dos meus deslocamentos diários para ser submetido ao controle de doping “.
Outros tempos, para quem tinha como linha de pensamento o vencer a qualquer custo: “Minha mente se acostumou a sentir a vitória como algo sempre à mão”. Hoje meio deslocado e sem envolvimento direto com o esporte, Di Luca volta às páginas do esporte por meio de sua biografia, partindo de uma data em especial: o segundo positivo do Giro em 27 de maio de 2013, quando já estava em sua casa após ser eliminado da corrida “Descobri que haviam modificado o sistema de detecção de EPO no sangue até 24 oras após a sua utilização. Eu tinha usado às 11 da noite. Com 500 unidades, o tempo de rastreamento era das 3 às 6 horas, estava tranquilo, teria resultado limpo até se tivesse sido testado pela manhã. Mas meus cálculos não serviram para nada”. Um sinal de como os ciclistas trabalhavam com as micro-doses de difícil detecção à época, porém com o novo sistema de detecção utilizado nos controles, nem urinar antes do exame serviu para sumir com os traços da EPO de nova geração. Sobre o assunto Di Luca comenta: “Os ciclistas são excelentes enfermeiros! Eu tomei 500 unidades de EPO. Quinze anos atrás qualquer um chegava a tomar 4000 unidades por dia. Uma loucura!”.
“Para mim foi reservada a honra de ser o primeiro a ser apanhado dessa maneira. Agora, a palavra vai dar a volta e os outros irão mudar a maneira de fazer as coisas. Muita gente diz por aí que se eu tivesse o médico certo, eu não seria apanhado, que se eu tivesse a equipe certa eu teria sido protegido” relata em tom de desabafo.
“Apenas um estúpido pode pensar que basta o EPO para se tornar um campeão. É simplista demais colocar tudo sob a responsabilidade da Farmácia”, porém sabe-se que não é bem assim, há muita história documentada de muito pangaré transformado, mesmo que meteoricamente em puro sangue alimentando um mundo de mentiras. “A utilização de substâncias ilegais te leva a mentira: mentimos à família, à mulher, aos jornalistas, ao massagistas, aos mecânicos, até mesmos aos nossos colegas. Cada ciclista sabe que todos se dopam e ainda assim ninguém fala, e de quebra alguns garantem andar a ‘pão e água’” provoca o ex-ciclista em sua biografia.
A mentira para um dopado se torna parte do dia a dia: “Mentir torna-se tão natural como respirar. A verdade é que todos se dopam e que todos fariam isso novamente” aponta deixando transparecer um quê de raiva com a situação, talvez de ter caído em mais um controle e sendo excluiu de um pelotão aonde ele ainda acreditava ter chances de bons resultados.
“Em meu terceiro ano como amador, em 1997, começo com a farmácia. Mas comecei a me dopar seriamente em 2001 , em meu terceiro ano como profissional”, e começou a dopar ao perceber que muitos dos ciclistas que ele superava como amador, rodavam muito mais forte que ele como profissionais. “Testosterona, EPO, cortisona, O médico não pode te passar uma receita, e assim você se vira sozinho, nas academias ou na internet. No meio todos sabem”, demonstrando que apesar de ter começado a sua carreira muito jovem em 1984, aos 8 anos de idade, il Killer di Spoltore, (Spoltore é sua cidade natal, na região de Abruzzo, na Província de Pescara) como era conhecido Di Luca no meio ciclístico, também começou no mundo das drogas para aumento do desempenho muito jovem e pelo ego de superar os caras que ele já havia derrotado no passado. “Nos tornamos como animais, como bestas. Não somos heróis, somos loucos sem freio. Para um ciclista o importante é vencer, você pensa que jamais será apanhado ou que você pode ficar doente”.
E dando claros sinais de que o doping ainda está no pelotão atira contra os sprinters: “Os velocistas tomam comprimidos de nitroglicerina para fazer os ataques supersônicos nos últimos três quilômetros. Antes da arrancada a dissolvem debaixo da língua. Eles voltam novos”.
O ex-ciclista declara que um dos momentos mais difíceis da sua carreira e que talvez merecesse ser esquecido aconteceu no positivo do Giro de 2009: “Quando encontraram meu primeiro positivo no Tour de 2009: Eu não estava preparado. A coisa mais terrível foi a reação do ambiente, muitos dos que me apontaram como a maça podre, fizeram as mesmas coisas para as quais eu fui acusado. Foi o primeiro divisor de águas, eu percebi quem estava ao meu lado porque gostava de mim por afeto e os que eu estavam próximos apenas por interesse . Ali eu comecei a entender um pouco mais da vida “.
Dos poucos amigos, talvez um que tenha provocado uma reflexão seja Alessandro Spezialetti, ex-profissional e que em atualmente trabalhava como técnico na equipe GM Cycling da região do Abruzzo que em 2013 questionou a atitude do amigo ao lançar-lhe a seguinte frase: “Danilo, você pode dizer que é um mundo de merda se você vai nessa direção, não se te caçam. Você não tem nenhuma credibilidade”
“O ciclismo de hoje não é mais o esporte que eu amava. Estou cansado da solidão, da mentira, de me esconder. No ciclismo todos sabem a verdade, mas a verdade é inaceitável. Quando os diretores esportivos dizem ‘não sei de nada’, mentem. O ambiente não te força a dopar, ele te impulsiona a isso, o campeão cria um mecanismo que dá de comer a um monte de famílias”, em sua narrativa vai além e mais uma vez como todos os que expõem o lado negro do esporte apontam para a conquista e a doentia vontade de vencer como mais um passo para o desvio de cárater: “O doping não vicia, mas é um instrumento de poder. Quem ganha atrai o dinheiro para si, para a equipe e para os patrocinadores”, a roda da fortuna nos esportes de alto rendimento gira à sua maneira toda particular, e sobre isso sem entrar muito em detalhes em uma passagem trata de Marco Pantani: “Ele foi 300% ludibriado. Era líder do Giro, tinha dez minutos de vantagem e faltava só uma etapa. Naquelas condições não se arrisca, é claro!”, mas Pantani é uma outra história que na Itália já rendeu, e ainda renderá outros livros.
“Eu não tenho arrependimentos. Eu vivi meu negócio, assim como todos os ciclistas mais agressivos fazem. Andar de bicicleta não é mais o esporte que uma vez eu amei”.
O livro “Bestie da Vittoria”, é publicado pela Editora Piemme, 288 páginas, € 17,50 ( R$ 75) e por enquanto só é encontrado na Itália.
Belo texto! Tomara que chegue ao Brasil, nem q em italiano. Abs
Sabemos o quão sujo é o ciclismo, mas mesmo assim somos apaixonados… Acho que todos nós somos loucos!
Somos apenas humanos, e não máquinas..todos chegamos a um topo.. Depois caímos .. Há vida é a sim..
Triste ver tudo isso no esporte que sempre amei e idolatrei.
deviam fazer dois tipos de corrida um para dopados e outra para nao dopados.
os nao dopados que forem pegos com dopping seriam colocados na corrida de dopados. Poderia se resolver o problema do dopping, visto que se há substancias que dopam, necessário se faz ter seres humanos para fazer o teste, sem antes avisá los sobre os problemas decorrentes do uso.
Isso em pouco tempo se transforma em uma corrida mortal para saber que usa a droga mais forte e mais potente. Não seria a adoção da liberação do doping que iria resolver os problemas do ciclismo. O doping é um problema de saúde pública e que deveria ser encarado com maior seriedade por vários organismos internacionais. Basta dar uma passadinha por academias