Ciclismo em alto mar? Os velejadores do Emirates Team New Zealand jogarão toda sua força nos pedais para buscar a vitória na 35ª America’s Cup, a mais importante e prestigiosa regata do mundo e para isso terão em sua tripulação o pistard e medalhista olímpico Simon van Velthooven
Até poucos dias atrás quem ousasse dizer que um quarteto de ciclistas estaria em alto mar encarando uma das mais desafiadoras e tecnológicas regatas do mundo, poderia ser chamado de maluco, ou que talvez a pessoa estivesse exagerando e confundindo um pedalinho com um dos mais avançados veleiros do mundo.
Na tentativa de conquistar o título que fugiu das mãos dos neozelandeses na última edição da America’s Cup, quando em 2013 perderam por 9 a 8 para o Oracle Team, na disputa realizada em San Francisco, os kiwis (como também são conhecidos os naturais da Nova Zelândia) procuraram novas alternativas para ganhar mais força e assim, entre outras inovações apresentadas no veleiro, resolveram substituir as alavancas das carretilhas ou molinetes movidas por braços fortes, pelo poder das pedaladas.
Mas não foi só o sistema vital do veleiro que foi modificado, também a preparação da tripulação que há mais de um ano vem trabalhando para essa nova mudança, nesse projeto o medalhista olímpico Simon van Velthooven ganhou muito destaque pois ele é o principal elemento desse novo sistema de geração de força e também o responsável por transmitir à toda a equipe os conceitos do ciclismo para que durante as regatas possam tirar o máximo de força de suas pernas.
Simon aos 28 anos, tem em sua carreira a medalha de bronze no Keirin dos Jogos Olímpicos de Londres’2012, além disso tem duas medalhas de prata e uma de bronze na prova do 1 Km contra-relógio nos mundiais de Cali’2014, Minsk’2013 e Melbourne’2012, até a sua chegada à equipe de vela, o ciclista disputava a Liga Japonesa de Keirin.
No ano passado ao não conseguir a classificação para o Mundial de Pista disputado no início de março em Londres e nem para a Rio’2016, Simon foi contatado pela equipe para que fizesse alguns testes que foram muito bem recebidos pela equipe que lhe impôs uma condição: silêncio absoluto sobre tudo o que viu e o que realizou. O mundo da vela esportiva é como a Fórmula 1, alta tecnologia e inovações que fazem a diferença e garantem maior velocidade, assim discrição e confidencialidade são obrigatórios a todos os envolvidos no projeto.
Para um neozelandês integrar uma tripulação de um veleiro é tão importante como participar de uma olímpiada, a vela está integrada à cultura da grande maioria da população. “Desde criança cresci sabendo tudo sobre a America’s Cup, muito antes de conhecer o ciclismo de pista”, comentou Simon van Velthooven, “É um sonho de todo garoto kiwi estar em um barco da America’s Cup. Esta prova traz um enorme legado para a Nova Zelândia. Tenho certeza que todos aqui gostariam de estar no barco, então quando me convocaram claro que eu disse sim”, acrescentou o ciclista que já havia velejado com seu tio e nas aulas experimentais da Outward Bound.
Velthooven ficou impressionado com o veleiro e torce para que consigam atingir com esse novo sistema velocidades de navegação impressionantes: “Isso aqui não é velejar, é uma máquina de guerra.Não é um veleiro, não há nada parecido com ele em todo o mundo, espero consigamos atingir os 100kmh”.
Uma coincidência é que a mesma empresa que projetou o barco, a Southern Spars, foi a responsável pelo projeto de construção das rodas utilizadas pela seleção olímpica da Nova Zelandia na Rio’2016.
A tradição neozelandesa na America’s Cup começa em 1988 como veleiro KZ1 que ficou em segundo lugar na disputa contra os estadunidenses do Stars and Stripes, depois em 1995 com o Black Magic que repetiu o segundo lugar. O grande momento viria em 2000 e 2003 com as vitórias nas regatas disputadas em Auckland, sobre os italianos do Luna Rossa e dos suíços do Alinghi
Nos catamarãs da classe AC50 veleiros construídos especificamente para a disputa da Luis Vuitton Cup que classifica o vencedor para match racing – duelo de dois barcos em nove regatas- da America’s Cup, as tripulações têm o desafio de fornecer a pressão de potência hidráulica usando molinetes convencionais para movimentar velas e as quilhas aerodinâmicas – os hydrofoils , que exigem sistemas muito eficientes de geração de energia, caso contrário a navegação fica limitada.
A solução que o Emirates Team New Zealand encontrou foi a de colocar quatro “bicicletas” (melhor seria chama-las de ergométricas , mas toda a imprensa mundial vem usando o termo bicicleta) alinhadas em cada um dos cascos do seu novo catamarã.
A força exercida nos pedais, segundo os projetistas deve ser a maneira mais rápida de navegar e manter os veleiros dessa categoria com sua característica de se manter “voando” sobre a linha do mar, assim a tripulação de seis homens – terá quatro homens nos pedais gerando a quantidade de energia necessária para uso na navegação e reduzindo o estresse e o esforço na tripulação em gerá-la, afinal é mais fácil fazer força com as pernas do que com os braços.
Todas as outras equipes usam pedestais de molinetes/carretilhas acionados por alavancas convencionais, muito menos eficazes, acionadas pela força dos braços e estes não podem ser usados por períodos prolongados com uma elevada frequência cardíaca, pois trata-se de um grupo muscular muito mais fraco quando comparado às pernas. O bônus para Emirates Team New Zealand é que eles têm quatro posições de molinetes a pedal em cada lado do catamarã – o que no jargão ciclístico poderia ser considerado uma quarteta, enquanto as outras equipes têm dois molinetes, cada um impulsionado por dois grinders – como são chamados os tripulantes que movimentam essas manivelas. Neste tipo de veleiro a maior parte do trabalho da tripulação é feito nos molinetes do que nas velas, é um trabalho que , até o sistema que fará sua estreia nas Bermudas em maio deste ano, era feito exclusivamente com os braços.
Um molinete movimentado por grinder de elite pode gerar com os braços uns 250 a 300 watts, já o pelotão de marinheiros poderia gerar , segundo o site Sailworld , o poder de finalização de uma equipe convencional de quatro velejadores-ciclistas é provavelmente em torno dos 1900watts – ou mais de 160% de uma equipe convencional – dando uma vantagem significativa na potência total , some a isso a possibilidade de que uma dupla poderá sprintar elevando a potencia enquanto outros dois velejadores assumem a posição do lado oposto do catamarã e retomam as pedaladas para que os outros dois velejadores possam mudar de lado e retomar o quarteto.
A opção de usar os pedais também dá a flexibilidade para que um ou dois ciclistas se concentrem mais em velejar – efetivamente dobrando a tripulação de vela disponível – sem necessariamente reduzir o nível de energia que está sendo aplicada ao barco.
Para muitos expertos na vela, a grande questão que fica é se a uma velocidade superior a 20 nós – ou pouco mais de 37 km/h no mar – quando da mudança de ventos ou de direção em uma situação mais agitada a tripulação conseguirá sair de um lado a outro do catamarã para assumir uma nova posição de trabalho.
Para o ex-designer de veleiros que já disputaram a America’s Cup, Mike Drimmong, esse novo sistema de energia movido a pedal poderia fornecer “10 a 15 por cento extra de energia por períodos mais longos, com mais energia em seus molinetes, talvez eles possam se navegar com maior rapidez”. Há quem não coloque muita fé nesse novo sistema adotado pelos neozelandeses, como o capitão da equipe Oracle, Jimmy Spithill e o ex-capitão da equipe kiwi e agora líder da SoftBank Team Japan, Dean Barker que questionam o real beneficio das “bicicletas”. Para o iatista australiano Spithill, vencedor de duas Americas Cup , elas podem provocar uma resistência maior ao vento (será que ele não viu a posição aero adotada pelos marinheiros?), não é fácil de entrar e sair delas rapidamente durante as manobras.
Mas o uso de bicicletas – ou coisa parecida a uma ergométrica para movimentar molinetes de veleiros não é nenhuma novidade. Em 1977 , o velejador e projetista de barcos e do carro esportivo P1800 da Volvo, Pelle Peterson criou para os suecos o veleiro de 12 metros Sverige, para disputar a Americas Cup que tinha uma bicicleta na parte de baixo do convés, mas nesta categoria a solução não funcionou muito bem pois a tripulação de marinheiros naqueles tempos tinha muitos mais tarefas a cumprir do que as atuais tripulações dos veleiros da America’s Cup. A solução de utilizar “bicicletas” para mover os molinetes tem melhor resultado com velejadores solitários que se utilizam dela , principalmente para movimentar a vela principal como fez o iatista Franck Cammas em 2010 para vencer a Route du Rhum.
A equipe Emirates Team New Zealand teve que mudar sua forma de preparação, a mais de um ano e meio parte da equipe começou uma transformação , se no passado se trabalhava com os membros superiores fortalecendo peito e braços, o objetivo foi o de fortalecer as pernas. E para isso foram longas jornadas de pedaladas diárias, tiros de repetição, enfim uma preparação muito próxima à de um ciclista.
A chegada de Simon foi muito positiva e serviu para implementar mudanças, segundo o preparador físico da equipe Hubert Woroniecki pois a equipe ainda não tinha o modelo de barco definitivo (um segredo que não poderia ser desvendado para os adversários) e velejava à forma antiga usando manivelas e ao mesmo tempo os tripulantes já tinham de iniciar a sua preparação como ciclistas. Parte dessa preparação foi feita em equipamentos estacionários da Watt Bikes, aonde foram analisados dados de potência com cada velejador sendo levado à exaustão.
Aos poucos a equipe também começou a sair para a estrada , um dos percursos mais utilizados na preparação era um trecho de 200km entre a base em Auckland e Coromandel, aonde o ciclista Velthooven colocou o espirito do esporte a pedal para o grupo e fortaleceu o trabalho de construção da equipe – “começamos a pedalar o mais rápido possível juntos, em grupo, era uma maneira de certificarmos de que estávamos fazendo um trabalho honesto e que estávamos cuidando uns dos outros” – simplesmente a essência de um quarteto aonde um depende da eficiência do companheiro – e nesse ponto ciclismo e vela são muito parecidos.
O novo sistema também gerou uma nova palavra, se no passado tínhamos os grinders – moedores ou empurradores manivelas, agora temos os cyclors – que no mar empurrarão os pedivelas com toda força. No vídeo abaixo pode se ver a manobra com a tripulação mudando de um casco a outro do catamarã e com parte da equipe mantendo a ação nos pedais.
Os números do catamarã Classe AC
Peso da embarcação: 2332-2432 kg
60 metros de fibra óptica
comprimento do casco: 49,2 pés – 15 metros
25 metros: altura da vela acima do nível da água quando se atinge a velocidade máxima de 46 nós (pouco mais de 85 km/h)
Tripulação: 6 membros
Peso médio da tripulação: 87,5 kg
Equipe Emirates Team New Zealead: 90 pessoas
A 35ª EDIÇÃO DA AMERICA’S CUP
A 35ª America’s Cup será realizada nas Bermudas em 2017. O evento será composto por uma série classificatória – as Challengers, dividida em Louis Vuitton America’s Cup Qualifiers & Challenger Playoffs (27 de maio a 13 de junho de 2017), e da America’s Cup Match (18-19 e 25-28 junho) onde o vencedor da série classificatória enfrentará o Oracle Team USA que estará defendendo o seu título
Estes veleiros são fabulozes, vô fazer um em 1metro